O desenvolvimento neuropsicológico é importante na síndrome de Down, pois parte das dificuldades que se observa pode estar ligada à própria constituição orgânica da pessoa e o melhor conhecimento delas pode auxiliar na intervenção psicológica e educacional, tornando-as mais eficaz.
A alteração genética presente na síndrome de Down afeta o sistema nervoso central na estrutura e no funcionamento e o desenvolvimento do cérebro de pessoas que tem a síndrome parece comum logo após o nascimento, embora apresente diferenças na idade adulta, quando pode estar diminuído tendo o aspecto de microcefalia. O peso de um cérebro adulto situa-se em média entre 1.200 e 1.500 g, enquanto o cérebro de uma pessoa adulta com síndrome de Down pode se situar entre 700 e 1.100 g. As alterações do cérebro levam a supor tanto uma disfunção generalizada como déficits específicos ligados às funções dos lobos pré-frontais, do hipocampo e do cerebelo. Essas disfunções podem aparecer em diferentes momentos do desenvolvimento e podem ter efeito ao longo da vida da pessoa.
Estudos referentes às funções executivas mediadas pelos lobos pré-frontais e a memória de longo prazo mediada pelo hipocampo mostravam bom desempenho em tarefas que envolviam funções visuoconstrutivas e apresentavam dificuldade em tarefas que envolviam memória de longo prazo mediada pelo hipocampo.
As alterações podem provocar dificuldades nas formas de raciocínio que exigem entendimento simbólico, captação de relação temporo-espacial e elaboração de pensamento abstrato, desequilíbrio no modo de perceber a realidade em sua diversidade e exercer constantes adaptações.
A adaptação fluida a uma realidade variável decide em termos práticos a capacidade e possibilidade do ser humano aproveitar-se da independência e autonomia na vida diária. A aprendizagem e a elaboração de respostas podem ser mais lentas e trabalhosas quando as alterações estão presentes, como na síndrome de Down. A retenção de informação pode estar sujeita ao esquecimento, o processamento das informações pode estar dificultado e o bloqueio informativo pode atrapalhar a aprendizagem e a dificuldade de habituação pode levar à dificuldade de desprendimento de um estímulo para dedicar-se a outro.
As diferenças no funcionamento da memória e as dificuldades no processamento auditivo podem levar a outras perdas na aprendizagem, se não forem compensadas por estratégias de ensino. O declínio no desempenho em tarefas que envolvem o funcionamento cognitivo é evidente nos primeiros anos, se mantém com o aumento da idade, mas não acontece em crianças com limitação cognitiva devido a outras causas. Embora haja diminuição no ritmo de desenvolvimento, Não há perdas das habilidades adquiridas e as crianças com a síndrome podem adquirir novas habilidades. O declínio no desenvolvimento dessas crianças foi observado não só no aspecto intelectual, mas também na comunicação, nas atividades da vida diária e na sua socialização. Crianças com síndrome de Down, embora continuem adquirindo novas habilidades ao longo dos anos, o fazem em um ritmo cada vez mais lento e consolidam tais habilidades de forma particularizada. A utilização dessas habilidades e capacidades pode ser muito difícil, na medida em que não são acessadas com facilidade quando é necessário, o que compromete o seu desempenho numa tarefa.
As alterações descritas podem acontecer em pessoas com síndrome de Down, mas não ocorrem em 100% dos casos e, com isso, os recursos biopsicológicos também variam. Embora a síndrome de Down seja uma alteração genética que pode gerar deficiência, esta pode se transformar em recursos de competência ao longo da vida.
Na fase escolar, as habilidades motoras tendem a estar consolidadas, a criança pode andar, correr, saltar, pular corda, andar de bicicleta e as habilidades cognitivas são suficientes para algumas operações concretas envolvendo questões de conservação, seriação e classificação e também a utilização de estratégias para a resolução de problemas, indicando o desenvolvimento dos processos executivos, de organização, planejamento e monitoramento do comportamento.
Entre os seis e doze anos o desenvolvimento cognitivo é o aspecto mais notório nas crianças em geral. A socialização também tem desenvolvimento acentuado e as amizades tornam-se significativas na vida da maioria delas. A escola é considerada o elemento mais significativo nesta fase, pois o referencial deixa de ser somente a família e o processo de socialização tem muita importância, ao lado do desenvolvimento intelectual.
Crianças com síndrome de Down costumam ser populares entre os colegas na escola, mas nem sempre frequentam as casas desses colegas. A linguagem menos desenvolvida e eventuais dificuldades de comportamento não impedem a aceitação dessa criança pelos colegas. Assim, crianças com síndrome de Down têm capacidade de construir relacionamentos no ambiente escolar e serem aceitas pelos colegas, fato que pode estar ligado à facilidade de interação social – uma das características mais notórias que elas apresentam.
O desenvolvimento cognitivo é o desenvolvimento de habilidades mentais ligadas ao pensamento, raciocínio, linguagem e memória, e essas habilidades influenciam a compreensão e o controle do meio externo, determinando o ritmo com que a criança adquire conhecimento sobre esse meio.
No período entre seis e doze anos, crianças com síndrome de Down podem começar a apresentar diferenças com relação às outras crianças. O seu desenvolvimento pode ser mais lento ou pode haver diferenças intrínsecas e essa questão tem sido muito debatida em diversos estudos. Possivelmente não aconteça somente um atraso, pois além de os comportamentos egocêntricos e impulsivos permanecerem por mais tempo, as habilidades e aquisições são diferentes.
Crianças com síndrome de Down, do nascimento aos catorze anos, tendem a evitar situações de aprendizagem, assim como evitam resolver problemas sozinhas. A tendência é tentar esquivar-se e buscar atividades gratificantes tanto ligadas ao ambiente como relacionadas a si mesmas, por exemplo, brincar com o material de aprendizagem e não realizar tarefas com ele, além envolver o adulto nas brincadeiras, mostrando habilidades sociais e estratégias de “sedução”, ou seja, levando a pessoa a engajar-se na atividade que a criança quer desenvolver e não em uma tarefa determinada por outra pessoa.
As aquisições cognitivas são instáveis, podem aparecer, desaparecer por algum tempo e depois reaparecer novamente, não se consolidando de acordo com o esperado. Um recurso que parece ser utilizado por pessoas que têm a síndrome é a organização rígida das tarefas e repetição das mesmas e, essa organização e repetição podem facilitar que se desenvolvam habilidade e destreza em ocasiões que poderia haver lentidão e dificuldade. Além desse recurso, parece que o relógio biológico ajuda no estabelecimento de rotinas, ou seja, alguns comportamentos podem ser atribuídos ao funcionamento do ritmo circadiano, no qual sinais fisiológicos podem funcionar como referenciais para diversas atividades em períodos de vinte e quatro horas.
No ambiente escolar, as consequências da dificuldade cognitiva podem ser diminuídas pela interação social, que aproxima a criança com síndrome de Down dos colegas e os motiva a auxiliarem-na em suas necessidades específicas.
A organização do comportamento e das atividades acontece de maneira que muitas vezes torna-se difícil explicar como a pessoa com síndrome de Down elaborou ou construiu tais situações. Muitas vezes o modo como a pessoa que tem a síndrome de Down chegou a determinado comportamento, de que forma o aprendizado ocorreu e que referência ela usou para se adaptar adequadamente no ambiente não pode ser totalmente descrito, por seguir caminhos atípicos na adaptação. Assim, essa pessoa parece utilizar estratégias e mecanismos diferentes daqueles que as outras pessoas utilizam para aprender e lidar com a realidade, mas consegue se adaptar a ela. Também nos relacionamentos as pessoas que têm a síndrome mostram habilidades que as ajudam a envolver afetivamente aqueles que convivem com ela.
Entre sete e nove anos algumas crianças com a Síndrome de Down têm quociente intelectual limítrofe, embora após os dezoito anos, nenhuma pessoa com síndrome se situe nesse nível, e sim no nível severo ou abaixo. Muitas considerações podem ser feitas sobre as avaliações em si, como, por exemplo, itens que envolvem conteúdo acadêmico, os quais pessoas com síndrome de Down não dominam, ou conteúdos que envolvem a linguagem verbal, geralmente comprometida nessa síndrome. Entretanto, os resultados dos estudos não são desprezíveis, indicando possíveis dificuldades no desenvolvimento cognitivo, que podem comprometer também o desenvolvimento sócio emocional e a adaptação social em geral. Isso é importante porque há pessoas que têm dificuldade de aproveitar as oportunidades, o que pode acontecer também em função da dificuldade de comunicação, pois muitas vezes somente as pessoas que convivem constantemente com a pessoa que tem a síndrome compreendem sua fala. Questões referentes ao seu comportamento também podem dificultar a participação em contextos extrafamiliares, por exemplo, a rigidez e o oposicionismo.
Comportamentos que geram dificuldades no relacionamento com colegas na escola demandam atenção particular da equipe da escola que, em parceria com a família, pode definir estratégias que ajudem a criança a integrar-se no ambiente escolar e estabelecer relacionamentos próximos com os colegas, além de compreender o funcionamento escolar, a hierarquia existente e o objetivo das atividades realizadas nesse contexto específico.